Contrariando a promessa de Lula de reduzir a emissão de CO2 usando a Petrobras para investir em energia renovável, a estatal se movimenta para explorar petróleo na chamada “margem equatorial brasileira”, uma faixa litorânea no Norte e Nordeste que inclui o maior sistema de recifes do Brasil e o maior complexo de mangues do mundo.
O que deseja a Petrobras?
A estatal planeja investir US$ 3 bilhões (R$ 15 bilhões) entre 2023 e 2027 para explorar petróleo na margem equatorial.
De dezembro de 2022, o Plano Estratégico da Petrobras não prevê investimento em energia renovável no mesmo período.
A exploração de petróleo naquela região é defendida pelo novo presidente da estatal. Ex-enador, o petista Jean Paul Prates foi indicado por Lula para presidir a Petrobras.
Decisão contraria promessa eleitoral de Lula de priorizar a transição energética. Em abril, o presidente disse que a Petrobras financiará pesquisas em energia renovável.
“Eu nunca achei a Petrobras uma empresa de petróleo. A Petrobras sempre foi mais que isso. Ela é uma empresa de energia. É a empresa que historicamente mais investiu em pesquisa nesse país”.
Lula, após reunião ministerial que celebrou 100 dias de governo
O UOL procurou a Petrobras, o governo federal, o Ministério de Minas e Energia e o Ministério do Meio Ambiente, mas não recebeu resposta até o momento.
O que é a margem equatorial?
Com 2.200 km de extensão, a margem equatorial brasileira vai do Rio Grande do Norte ao Amapá, na fronteira com a Guiana Francesa.
80% dos manguezais do Brasil ficam na região, a maior área contigua de manguezais do planeta, do Amapá ao Maranhão. Berçário de aves, peixes, moluscos e crustáceos, o mangue é responsável por 95% do alimento que o homem retira do mar.
A margem também conta com o maior sistema de recifes do Brasil. Com até 220 metros de profundidade, ocupa 56 mil km², área equivalente à Croácia, no leste europeu, e ao estado da Paraíba.
Comunidades de ribeirinhos e indígenas tiram seu sustento da pesca. Por lá são encontradas ao menos 73 espécies de peixes, como garoupas e pargos, além de camarões e lagostas.
Estima-se que a margem equatorial tenha reserva de 30 bilhões de barris de petróleo. Sua exploração pode levar o Brasil de oitavo a quarto maior produtor do mundo, atrás apenas de Estados Unidos, Arábia Saudita e Rússia.
Em 2021, no entanto, a IEA (Agência Internacional de Energia) divulgou relatório em que pede às empresas do setor que “interrompam novos projetos de petróleo e gás para manter as mudanças climáticas sob controle”.
“Em 2035, não haverá vendas de carros novos com motor de combustão interna e, em 2040, o setor elétrico global atingirá emissões líquidas zero”.
Previsão da IEA em relatório
Faltam estudos na margem equatorial
Os ministérios do Meio Ambiente e de Minas e Energia não realizaram a AAAS (Avaliação Ambiental de Área Sedimentar). Trata-se de um estudo obrigatório que o governo precisa realizar em bacias sedimentares (como é o caso) antes de ofertar em leilão os blocos para exploração. Esses blocos foram concedidos mesmo assim em 2013, um ano depois da publicação da portaria que obriga o estudo.
Parecer do Ibama indicou em 2013 que a bacia da foz do Amazonas precisava de estudos detalhados por causa da “alta relevância biológica”. Além das consequências do derramamento de óleo sobre restingas e manguezais, a pesca na região pode ser impactada.
Não foram realizadas audiências públicas para discutir o impacto sobre moradores e pescadores da região.
Em 2018, o Ibama negou licença para cinco blocos de exploração. Na época, a petroleira francesa Total não provou que conseguiria impedir que um vazamento de óleo chegasse à costa da Guiana. A Petrobras assumiu o controle dos blocos e colocou a exploração como prioridade.
A estatal pediu e aguarda licença do Ibama para perfurar o primeiro poço, no bloco 59, a 160 km da costa. Procurado, o instituto não respondeu se há previsão para responder a Petrobras.
O que dizem ambientalistas?
O UOL conversou com Suely Araújo, ex-presidente do Ibama (2016 a 2018) e especialista em políticas públicas do OC (Observatório do Clima), e Enrico Marone, porta-voz sobre oceanos do Greenpeace Brasil, que financiou a principal expedição para pesquisas na área.
Contradição do governo
“A exploração de petróleo nessa região é incompatível com o compromisso reiterado por Lula de investir em transição energética. Tem mais discurso do que ações”.
Enrico Marone, do Greenpeace
“É uma contradição o governo prometer redução das emissões enquanto a Petrobras investe em exploração de petróleo. Mas como o governo é enorme e múltiplo, espero que ele mantenha a coerência de colocar o meio ambiente no centro das decisões”.
Suely Araújo, do OC
Impacto ambiental
“Toda a margem é pouco estudada, e mesmo assim saem decidindo que a região é prioritária para exploração de petróleo. O correto é suspender os licenciamentos em curso e fazer os estudos nas bacias sedimentares”.
Suely Araújo, do OC
“Os mangues são considerados um ecosistema de carbono azul porque capturam e armazenam quatro vezes mais carbono do que a floresta amazônica, proporcionalmente”.
Enrico Marone, do Greenpeace
Acordos ambientais e viabilidade econômica
“O Brasil se comprometeu a reduzir em 50% as emissões de CO2 até 2030 no Acordo de Paris. Temos de fechar e não abrir novos campos, como sugere a IEA”.
Enrico Marone, do Greenpeace
“Se a licença de perfuração for concedida, serão necessários de seis a dez anos para o início da produção. Já estaremos em 2030, quando o mundo terá reduzido muito a emissão por combustíveis fosseis. Será um alto investimento em uma fonte de energia que perderá valor nas próximas décadas”.
Suely Araújo, do OC
O que acontece agora?
São cerca de 218 blocos para exploração de petróleo na margem equatorial. O licenciamento para perfuração do bloco 59 é o mais adiantado. “Se for liberado, ficará mais fácil liberar os outros também”, diz Araújo.
“Espero que o Ibama não conceda os licenciamentos porque a foz do Amazonas não é uma área propícia para a exploração de petróleo”.
Suely Araújo, do OC
Fonte: UOL