Diretor responsável pelo Pix no Banco Central, Renato Gomes afirma que o aperto nas regras de segurança do meio de pagamento tem como objetivo fechar o cerco contra os próprios fraudadores e contra os “piores a alunos” na adoção de medidas preventivas entre bancos e fintechs.
Em entrevista exclusiva, o diretor de Organização do Sistema Financeiro e Resolução do Banco Central também confirmou que o BC está preocupado e vai lançar “proximamente” medidas para colocar “para dentro” instituições de pagamento que ainda não precisam pedir autorização para funcionar ao BC, como adiantou O GLOBO na semana passada.
Gomes ainda frisou que não vê razão para duvidar da manutenção da “cultura técnica” do BC a partir de 2025, quando a maioria da diretoria será composta por nomes indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como teme o mercado financeiro.
Queridinho dos brasileiros, o Pix vem sendo alvo de fraudes cada vez mais sofisticadas, como é o caso do golpe do Pix errado, em que o criminoso se utiliza de um mecanismo contra fraude criado pelo BC, e o 0800, em que se passam pelos bancos. Nesse contexto, o regulador do sistema financeiro anunciou nesta semana novas medidas para aumentar a segurança do meio de pagamento mais usado do país.
Dentre as novidades que passarão a valer em novembro deste ano está a limitação a R$ 200 de transferências em dispositivos novos, sem cadastro prévio pelo usuário, com teto diário de R$ 1 mil. Cada instituição financeira decidirá como deverá ser feito esse cadastro, que pode ter de ser validado em caixa eletrônico ou por “token”, no caso de bancos digitais, por exemplo.
O diretor do BC reconhece que a exigência piora um pouco a experiência para o usuário, mas deve dificultar a vida do fraudador, impedindo que desviem valores altos, caso consigam, de alguma forma, o login e a senha bancária do cliente.
— É uma fricção que o usuário paga uma vez, depois usa o dispositivo livremente, mas para quem está fazendo a fraude, é um negócio quase intransponível — afirmou, em entrevista concedida na segunda-feira.
Varredura em clientes
Além disso, as instituições participantes do Pix serão obrigadas a fazer uma varredura em seus clientes pelo menos uma vez a cada seis meses para verificar se houve participação em uma possível fraude, assim como fazer esse filtro para todas as transferências realizadas. Os participantes do Pix ainda poderão recusar o cadastro de uma nova chave Pix se o CPF utilizado estiver “marcado” com uma suspeita de fraude.
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Outra obrigação para os bancos e fintechs, conforme as medidas anunciadas na segunda, será usar solução de gerenciamento de risco de fraude que contemple as informações de segurança armazenadas no Banco Central e que seja capaz de identificar transações Pix atípicas ou não compatíveis com o perfil do cliente, além de disponibilizar informações para os clientes sobre cuidados para evitar fraudes.
A base de dados do BC para fazer a “varredura” já existe, inclusive com informações sobre os demais meios de pagamento, como TED. Mas Gomes afirmou que nem todos os participantes usam a ferramenta como deveriam.
— A grande maioria das instituições já essencialmente cumpria parte dessas exigências, mas é heterogêneo. Tem algumas que eram, vamos dizer assim, menos diligentes. Essas medidas, criam essa obrigatoriedade e nos dão conforto para, vamos dizer assim, constranger as instituições que não estão levando esse problema tão a sério — disse.
Para o diretor, isso significa ir atrás dos “piores alunos”.
— Nessa questão de segurança em arranjo de pagamento, não precisa que a média das instituições se comporte mal, basta que uma ou duas se comportem mal. Na verdade, estamos perseguindo os piores alunos. Não estamos preocupados com o aluno médio. Existem de fato instituições que não estão aderentes como deveriam. E é por isso que estamos fortalecendo (as regras de segurança) e criando uma série de obrigatoriedades — completou Gomes.
O diretor do BC sustenta, contudo, que o índice de fraudes no sistema de pagamentos instantâneos criados pelo BC é baixo (em média, sete a cada 100 mil operações), contra 30 a cada 100 mil operações no caso de cartões, conforme estatística global do Banco Mundial.
Na opinião de Gomes, os holofotes estão sobre o Pix devido à sua popularidade e ao volume de transações atuais. O Pix movimenta mais de R$ 2 trilhões por mês, com cinco bilhões de operações em média, e continua batendo recordes. É de longe o instrumento de pagamento mais usado no país, representando 43% das transações no primeiro trimestre de 2024.
— A ênfase que se dá na fraude no Pix hoje em dia vem do fato de que ele está substituindo muita transação em dinheiro — A transação que está ocorrendo no Pix estava ocorrendo em outro lugar. E normalmente estava ocorrendo num lugar mais perigoso. Esse é o meu ponto — completou.
Preocupações
Embora Gomes afaste uma relação direta entre as falhas de segurança no Pix e o grau de relacionamento que as instituições têm com o BC, o diretor defendeu que a prestação do serviço de pagamento requer um monitoramento mais próximo do regulador. Ele confirmou que o BC está preocupado com as instituições de pagamento que hoje ainda não precisam de autorização da autarquia para funcionar e que isso deve mudar em breve, como antecipou o GLOBO.
— Planejamos tornar obrigatória a autorização para todos os participantes do Pix. É uma questão só de cronograma, mas bastante em breve essa exigência já vai estar na rua. Participar de um sistema de pagamento instantâneo como o PIx deve exigir uma maturidade da instituição, como a autorização, capital mínimo — explicou. — O futuro vai ser um futuro em que todas as instituições participantes do Pix vão ser autorizadas e supervisionadas na sua totalidade pelo Banco Central.
Mirando as altas taxas de juros do rotativo do cartão de crédito, Gomes ainda afirmou que o aperfeiçoamento na portabilidade dessa dívida entre bancos deve estar disponível este ano. O diretor do BC também disse que o regulador lançará em breve uma consulta ao mercado sobre gerenciamento de riscos na cadeia de cartões, como antecipou o Valor Econômico.
Futuro
Gomes, que fica no BC até meados de 2026, não quis comentar a sucessão no órgão e nem sobre os próximos passos do Comitê de Política Monetária (Copom), mas afastou qualquer tipo de suspeição sobre a atuação técnica da autoridade monetária. Nos últimos meses, cresceram as preocupações do mercado financeiro sobre a condução dos juros quando o colegiado for “dominado” por “emissários” do atual chefe do Planalto, crítico do atual patamar da taxa Selic (10,50%).
No fim deste ano, três membros deixam a diretoria, incluindo o presidente Roberto Campos Neto, desafeto de Lula. O mais cotado para substituí-lo é o diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo.
— Confesso que eu não gostaria de me meter em atribuição do presidente da República. Mas eu vejo tudo com muita tranquilidade. O BC é uma instituição com uma cultura muito técnica. Não vejo nenhuma razão para duvidar que essa cultura vai sempre permanecer. A relação entre os diretores é uma relação muito construtiva, um trabalho muito colaborativo, e eu acho que não há nenhuma razão para temer mudança nesse sentido.
Autor/Veículo: O Globo