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A marca BR, subsidiária da Petrobras, e a distribuição de combustíveis

Recentemente, circularam notícias acerca da possibilidade do retorno da Petrobras ao mercado de distribuição de combustíveis, mercado em que deixou de atuar por conta de recente processo de reestruturação que levou a desinvestimentos e venda de ativos. Um dos ativos que mudou de mãos foi a BR Distribuidora, subsidiária da Petrobras com atuação no mercado de distribuição de combustíveis. Num processo de venda realizado entre 2019 e 2021, a empresa saiu do controle da petroleira, passando a ter um controle diluído entre diversos acionistas. Em um segundo momento sua denominação social foi alterada de BR Distribuidora para Vibra Energia.

Dentre os ativos intangíveis que integravam a negociação estava o licenciamento da marca BR, uma marca forte no setor de combustíveis brasileiro, com uma reputação conquistada ao longo de vários anos. A marca BR e suas derivações continuam sendo da titularidade/propriedade da Petrobras e foram licenciadas para o adquirente da BR Distribuidora. Intui-se que esse licenciamento foi realizado a fim de valorizar os outros ativos afetos à operação, assim como facilitar a entrada do novo agente no mercado, que não teria que fazer pesados investimentos em marketing neste momento inicial.

Marcas e a distribuição de combustíveis

Neste contexto, cabe destacar a importância das marcas no mercado de combustíveis. Além do tradicional valor das marcas, já estudado pelo marketing e analisado na economia, o que por si só já criaria a percepção de que a marca BR, com sua solidez, capilaridade e tradição, seria um ativo extremamente relevante, é preciso também destacar que o mercado de distribuição de combustíveis brasileiro possui características próprias que fortalecem ainda mais a força das marcas.

Mundo afora os combustíveis são vistos como um produto homogêneo, ou seja, se uma pessoa adquire gasolina em posto da marca A ou B, está adquirindo basicamente o mesmo produto, que observa padrões técnicos e de qualidade pré-determinados. A diferenciação de preço, e em certa medida a concorrência, estarão limitados aos produtos premium e aos pontos de venda, eficiências logísticas e produtiva etc., mas o produto padrão/básico será o mesmo.

No Brasil, diferentemente de outros países, o combustível não será necessariamente considerado um produto homogêneo na perspectiva do consumidor. Há uma predisposição do consumidor a diferenciar a qualidade do produto a partir da marca utilizada para identificá-lo na distribuição. Entendo que tal fato tem origem no momento de abertura do mercado de distribuição, quando houve espaço para a criação de distribuidores e postos independentes.

Por falta de uma política efetiva de fiscalização pelo Estado, alguns dos entrantes, e até mesmo alguns postos vinculados a incumbentes, passaram a comercializar combustíveis adulterados, adicionando solventes e outros produtos que permitiam a venda por preços mais baixos e o aumento da margem de lucro. Tais produtos de qualidade enganosa prejudicavam os consumidores ocasionando danos significativos aos motores dos veículos abastecidos com tal combustível.

O posto que realizava tal fraude, mesmo multado ou sendo fechado meses depois, já tinha gerado danos significativos, tanto financeiros aos proprietários dos veículos (para muitos cidadãos o seu veículo é o seu segundo bem mais valioso, após a casa própria), como também reputacional para todo o conjunto de empresas atuantes no setor, em especial aqueles que não operavam com marcas consolidadas.

Desta forma, uma medida voltada a aumentar a concorrência no mercado de distribuição de combustíveis, através da oportunidade para a entrada de novos agentes e eventual desconcentração do mercado, acabou não sendo efetiva devido à condutas oportunistas e criminosas, e pela falta de uma efetiva política de monitoramento e fiscalização do mercado pelo Estado. Os grandes distribuidores adotaram estratégias voltadas a gerar um descrédito dos postos e distribuidores independentes, ao mesmo tempo em que incrementavam a fiscalização dos postos filiados a suas respectivas bandeiras, sancionando e descredenciando postos que adulterassem combustíveis.

A política pró-concorrencial foi abalada e muitos postos que se tornaram independentes voltaram a se associar aos grandes distribuidores existentes. Os distribuidores independentes que tinham produto de qualidade e se mantiveram no mercado ficaram restritos à concorrência regional e não chegaram a crescer significativamente, e quando cresciam eram comprados, como observado no processo envolvendo a compra da Alesat pelo grupo Ipiranga no âmbito do Cade.

O processo de construção de uma marca no setor de combustíveis, que já era algo custoso dadas as características do mercado, se tornou ainda mais na medida em que seria necessário também construir uma reputação que indicasse que o produto era confiável, algo extremamente complexo neste setor.

Neste contexto observa-se, por exemplo, que quando o grupo Raízen decidiu entrar no mercado de distribuição de combustíveis, optou por licenciar a marca Shell, que possuía tradição e reputação no mercado brasileiro. Provavelmente, nos debates realizados dentro do grupo Raízen, foi observado que o custo para a construção e lançamento de uma marca própria e de uma rede de distribuição seriam muito altos e a aquisição e o licenciamento seriam um caminho mais seguro.
Marcas e concorrência

Desta forma, observando o mercado de distribuição de combustíveis brasileiro, percebe-se que a função das marcas se torna ainda mais importante do que o observado em outros países. A capacidade de atração de clientes associada a marcas consolidadas será algo peculiar do Brasil, e, em certa medida, também irá impactar no comportamento dos postos, que tenderão a aderir a um distribuidor que tenha uma marca forte, evitando atuar de forma independente ou se associar a um distribuidor cuja marca ainda esteja em processo de construção.

É importante observar que o mercado de distribuição de combustíveis é bastante concentrado no Brasil, havendo três agentes: o grupo Raízen/Shell, o grupo Ipiranga/Ultra e a BR Distribuidora/Vibra Energia, que detêm 69% do mercado de diesel e 57% do mercado de gasolina C. A BR Distribuidora detinha cerca de 28% do mercado de diesel e 24% do de gasolina em 2020[1].

Na medida em que a BR Distribuidora era integrada à Petrobras, havia uma verticalização bastante relevante e que influenciava significativamente na dinâmica concorrencial. Havia hipóteses em que ocorriam influências políticas na Petrobras, uma empresa pública, que impactavam na operação da BR Distribuidora, assim como também havia eficiências associadas a uma empresa verticalmente integrada. Com o desinvestimento foi criado um player independente da Petrobras, a Vibra Energia.

Recentemente, a petroleira manifestou interesse em voltar a atuar no mercado de distribuição de combustíveis. A boa notícia para o consumidor é que existe a perspectiva de poder contar com mais um agente, de grande porte, atuando no mercado de distribuição de combustíveis. Em tese, maior concorrência significa mais pressão competitiva e eficiência, além de menores preços.

Na perspectiva do law & economics outras questões merecem atenção. Uma questão crucial diz respeito à marca BR. Voltando para a Petrobras e considerando o poder de mercado dessa empresa no setor de petróleo e energia, recria-se um grande agente verticalizado, com seus defeitos e virtudes. O grupo Vibra Energia, mesmo que indenizado pela revisão contratual, teria que desenvolver uma marca própria de forma bastante rápida a fim de criar uma reputação perante os consumidores, e, ao mesmo tempo, manter a rede de postos de combustíveis filiados à empresa. Para o consumidor ficaria a incerteza em relação a quem está lhe fornecendo o produto com a marca BR – seria a Vibra Energia ou a Petrobras?

Por sua vez, considerando o seu poder de mercado e capitalização, também existe espaço para a Petrobras construir “do zero” uma marca e uma rede de distribuição. A estatal atuaria como uma entrante no mercado de distribuição de combustíveis com uma pesada carga de pressão competitiva sobre os incumbentes, que precisariam buscar formas de atuarem de uma forma mais eficiente para concorrer com o entrante de peso. Ao invés de três marcas fortes no Brasil, poderíamos vir a ter quatro.

Por fim, não pode deixar de ser considerada a compra da Vibra Energia pela Petrobras, algo que soaria no mínimo estranho, considerando a estrutura decisória da empresa que poucos anos atrás decidiu pelo desinvestimento.

Logicamente, em uma questão complexa e num mercado tão importante para a economia, diversos caminhos e várias perspectivas são possíveis, tanto em relação às movimentações da Petrobras e da Vibra Energia como de outros agentes do mercado.
Conclusão

Independente dos movimentos que ocorrerão, dois pontos chamam a atenção. O primeiro é o da política pública afeta ao setor de energia – em especial o segmento de combustíveis – não ter as características de uma desejada política de Estado. Na medida em que tal questão fica na esfera da política de Governo existirão políticas de curto prazo voltadas ao atendimento de questões somente de governo.

Entendo que seria necessária uma política de Estado, considerando a importância do setor para a economia brasileira e a necessidade de investimentos e uma estratégia de médio e longo prazo. O modelo não pode oscilar na conveniência de um governante, nem de dois ou três. É necessário refletir um modelo de longo prazo que faça sentido e esteja atento ao dinamismo do setor de energia.

O segundo ponto que considero relevante é o monitoramento das condutas dos agentes pelo órgão regulador, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), assim como do órgão de defesa da concorrência, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a fim de observar, e se for o caso, coibir rapidamente, condutas dos agentes que venham a ser consideradas abuso de posição dominante, ou que venham a ser prejudiciais para a concorrência no setor e para o consumidor.

O mercado de distribuição de combustíveis é bastante relevante para a economia brasileira, gerando impacto nos mais diversos setores diretamente e indiretamente e na vida de todos os cidadãos. Consequentemente, ele precisa ser priorizado e observado sob um olhar atento, para que no futuro próximo possamos falar de boas ideias que deram certo, e não lamentar boas ideias que deram errado.

Conforme dados da ANP de 2020, a ANP informa que por questões relativas à defesa da concorrência não consolida certas informações e somente disponibiliza outras com dois anos de defasagem.

Fonte: JOTA