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Desoneração da folha, o novo impasse na reforma tributária

Um novo impasse surgiu no caminho da reforma tributária, e desta vez tem a ver com dispositivo previsto pelo relator do texto na Câmara, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), determinando que o aumento previsto de arrecadação com a reforma da renda (tema que só deve entrar em pauta no segundo semestre) será usado para a desoneração da folha de salários. Entre tributaristas e representantes de setores que defendem que a reforma tributária tem de estar acompanhada de uma redução da contribuição previdenciária que incide sobre a folha, a medida passou a ser chamada de “na volta, mamãe compra”.

A PEC em tramitação no Congresso corresponde à primeira fase da reforma tributária, que trata dos impostos que incidem sobre o consumo, como o ICMS (dos Estados), ISS (dos municípios), PIS/Cofins e IPI (do governo federal). Já a reforma da renda corresponderia a uma segunda etapa, prevista para depois de julho.

“É igual quando a mãe vai ao shopping, a criança pede um negócio e ela fala: na volta, a mamãe compra”, diz o tributarista Luiz Bichara, sócio da Bichara Advogados, que questiona a eficácia do dispositivo.

A proposta incluída no texto, que faz um aceno à frente, é uma tentativa do relator de enfrentar resistências à reforma, sobretudo das empresas do setor de serviços, que alegam que vão ter aumento de carga tributária.

‘PAGAR A CONTA’. Grande empregador, o setor de serviços defende há anos a volta de tributo nos moldes da antiga CPMF para financiar a desoneração da folha de salários das empresas. Em outra frente, 17 setores já beneficiados pela desoneração pressionam para que a Câmara conclua a votação de projeto que prorroga o benefício até 2027.

O presidente da Confederação Nacional de Serviços (CNS), Luigi Nese, defende a renovação do benefício e sua ampliação. “Temos feito um trabalho para que haja uma desoneração total do serviço como um todo, e não só para os 17 setores”, diz. Segundo ele, a reforma tributária não será completa se não existir a desoneração da folha de pagamentos. “Do contrário, o setor de serviços vai pagar a conta sozinho com a proposta do IVA (Imposto sobre Valor Agregado)”, critica.

O relator incluiu no seu parecer um comando constitucional obrigando que a proposta de reforma da renda seja enviada pelo governo Lula no prazo de 180 dias após a promulgação da primeira etapa da reforma tributária. O secretário extraordinário de reforma tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, já disse que o início da desoneração será discutida junto com a proposta de reforma da renda, mas não entra em detalhes. •

Por etapas

O governo dividiu a reforma tributária em duas partes, começando pelos impostos sobre consumo

OEx-secretário de Fazenda do Estado de São Paulo, o economista Felipe Salto avaliou que a reforma tributária está “caminhando para (ser) um monstrengo” com o parecer do relator, deputado Aguinaldo Ribeiro (Progressistas-PB).

Ao Estadão, Salto critica as exceções e a criação do Conselho Federativo, que será instituído para a gestão do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que substituirá o ICMS dos Estados e o ISS dos municípios.

“Existe agora uma feira onde se está debatendo o varejão dos pedidos que chegam”, diz o ex-secretário, atual economista-chefe da Warren Rena.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Qual a sua avaliação sobre o parecer da reforma tributária divulgado na semana passada?

Entendo que o substitutivo confirmou as piores expectativas. A promessa de uma reforma para criar o IVA (Imposto sobre Valor Agregado), no padrão internacional, vai caminhando para (ser) um monstrengo, algo que só existirá aqui no Brasil. Veja: vamos ter, no caso do IBS, o imposto subnacional que unirá o ICMS ao ISS, uma série de exceções, possibilidades de redução de alíquota de 50% a 100%, além de uma lista a ser publicada por lei complementar, conforme o próprio artigo oitavo sugere. Além disso, o Conselho Federativo é uma verdadeira aberração. Ele terá poderes até mesmo para iniciativa de lei complementar, conforme mudança proposta no artigo 61 da Constituição Federal. Vai arrecadar, distribuir, normatizar, cuidar dos créditos e ainda operar todo o regime. Isso é uma sandice, não vejo outro termo.

A alíquota terá de ser maior por causa de tanta exceção?

O resultado final, temo, é uma alíquota bem mais alta que a “estimada”, de 25%. Aliás, ninguém poderá garantir alíquota alguma. A alíquota de referência será fixada anualmente pelo Senado e o Tribunal de Contas da União vai subsidiar o processo, com vistas a garantir certo cenário de referência estimado para a arrecadação. O Conselho vai meter o bedelho nisso também, provendo informações. Imagine o grau de judicialização. Vejo isso com muito receio. Confio em técnicos de alto gabarito, como Bernard Appy, cujo trabalho conheço há muito tempo e que inclusive foi membro do Conselho

da Instituição Fiscal Independente do Senado a meu convite. Mas isso não anula as críticas que eu, como especialista, tenho de fazer. Ao contrário, preciso alertá-los de que sua proposta original, a PEC 45, já não existe mais. Existe agora uma feira onde se está debatendo o varejão dos pedidos que chegam e, consequentemente, o conjunto de ajustes e mudanças no texto. Veja que, de saída, há uma lista de exceções.

Mas você não respondeu sobre a calibragem da alíquota…

A lógica desse sistema proposto é tão ruim que a calibragem das alíquotas será feita uma vez por ano e, se houver erro, será azar de quem perdeu e sorte de quem ganhou. Como se trata de estimativa, a chance de haver erro é altíssima; é o cenário mais provável. A incerteza para o setor produtivo é muito elevada. Mas o que mais preocupa – e poucos têm discutido – é a garantia dos créditos por meio da tal Conta Centralizadora, a cargo do Conselhão Federativo, uma estranha estrutura mais poderosa do que qualquer governador ou governadora de Estado, nos moldes propostos no substitutivo. Se os créditos forem destinados automaticamente a quem de direito, isto é, a quem tiver adquirido o direito a eles ao longo das etapas intermediárias de produção, quem será responsável por verificá-los? E se forem derivados de notas fraudadas? Como será esse processo? Vende-se gato por lebre. Fui secretário da Fazenda e não acredito nem por um minuto em um modelo que surrupie poder dos Estados e entregue de mão beijada a uma estrutura incerta, que vai ainda ser desenhada por lei complementar. Quem vota? Quem decide? Isso não tem cabimento

A proposta não replica os incentivos fiscais ao permitir que os Estados usem recursos do fundo de compensação de benefícios fiscais para bancar subsídios, ou seja, incentivos?

A mudança maior da reforma não era justamente acabar com a guerra fiscal? Não acabará. Vai perpetuá-la, mas agora com dinheiro da União. Os incentivos vão perdurar, mas agora bancados com o chapéu da União. E o fundo dos incentivos, criado especialmente para isso, vai receber aportes já a partir de 2025, enquanto o IBS só será instituído em 2029, com transição até 2032.

A reforma traz risco de aumento da carga tributária?

Sobre a carga tributária, não há qualquer garantia de que ficará estável. Isso é conversa mole, até porque se está criando um imposto cuja alíquota é simplesmente desconhecida. Vamos nos entender: essa reforma é temerária. Ao mesmo tempo em que o arcabouço foi um golaço do ministro (da Fazenda) Fernando Haddad – e eu fui o primeiro a dizer isso, com base em estudo técnico e avaliação, como sempre fiz –, tenho a mesma tranquilidade de dizer que esse texto da reforma tributária precisa urgentemente ser corrigido. Estamos marchando com celeridade para o abismo.

Fonte: O Estado de S.Paulo