O Ministério da Fazenda pressiona para que a Câmara aprove a punição ao chamado “devedor contumaz”, o empresário que usa a inadimplência como estratégia de negócio – ou seja, age de má-fé. Essa medida fazia parte de um projeto de lei enviado pelo governo que cria benefícios para bons pagadores de impostos, mas foi retirada do texto pelo relator, o deputado Ricardo Ayres (Republicanos-TO).
Segundo apurou o Estadão/Broadcast, o secretário-executivo da pasta, Dario Durigan, e o secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, ainda tentam convencer Ayres a mudar o texto para retomar a punição ao devedor contumaz. Por outro lado, o setor de combustíveis, que seria o mais afetado, quer manter a regra fora do projeto por considerar a proposta do governo “confusa” e abrangente demais, com possibilidade de atingir as distribuidoras.
A votação, que estava prevista para esta quinta-feira, 21, foi adiada para a semana que vem. O governo propôs criar uma espécie de lista de devedores contumazes, que ficariam proibidos de abrir novas empresas e de participar de licitações públicas até que regularizassem suas pendências tributárias. Esse trecho, contudo, foi excluído no relatório mais recente divulgado por Ayres.
Ficariam enquadrados no cadastro de devedor contumaz os contribuintes que tivessem praticado “fraude fiscal estruturada” e fizessem parte de organização constituída com o objetivo de não recolher tributos ou burlar os mecanismos de cobrança de débitos. São os empresários que têm por meio da sonegação de impostos e, dessa forma, também conseguem oferecer preços mais competitivos no mercado.
Boa parte dos devedores contumazes está no setor de combustíveis, mas hoje não há obrigatoriedade por lei de identificar esses contribuintes para que sejam punidos. Quando a identificação acontece, o empresário pode simplesmente fechar a empresa atual e abrir uma nova, prática que o governo quer coibir com o cadastro do devedor contumaz.
O Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás criticou o projeto enviado pela Fazenda e argumentou que o assunto deve ser tratado em lei complementar, e não por meio de lei ordinária, como no projeto do governo.
“Uma abordagem por meio de legislação ordinária não abarcará de maneira abrangente e uniforme todos os aspectos relacionados aos devedores contumazes, deixando lacunas que comprometeriam a efetividade da norma dificultando ações de repressão à sonegação”, diz o IBP, em nota divulgada nesta quinta-feira, 21.
No Senado, há um projeto de lei complementar relatado pelo vice-presidente da Casa, Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), que também estabelece normas gerais para a identificação e controle de devedores contumazes, com o objetivo de prevenir desequilíbrios de concorrência. O texto do senador tem o apoio do setor de combustíveis, que faz parte da Frente Parlamentar de Energia, presidida por Veneziano.
Esse texto não avança porque está travado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), presidida por Davi Alcolumbre (União-AP). A autoria é do atual presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, ex-senador.
“O IBP sempre defendeu medidas para incentivar e facilitar a conformidade tributária, em especial, aquelas com o objetivo de prevenir desequilíbrios concorrenciais”, diz outro trecho da nota divulgada pelo instituto, contra a proposta da Fazenda e a favor do projeto relatado por Veneziano.
Transação tributária
Na Câmara, Ayres também excluiu do projeto enviado pelo governo a possibilidade de a Receita Federal realizar transação tributária diretamente com os contribuintes antes da inscrição do débito na dívida ativa da União. Essas transações permitem aos contribuintes inadimplentes negociar suas pendências com descontos e parcelamentos.
O relator disse que também não foi possível construir um entendimento sobre esse ponto do projeto com as bancadas. “Para não prejudicar o ponto central do PL, que são os programas de conformidade tributária e os benefícios aos bons pagadores, achei por bem retirar”, afirmou o deputado.
A possibilidade de a Receita fazer transação tributária antes da inscrição do débito na dívida ativa da União sofre resistência da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que é o órgão responsável hoje por essas operações.
A mesma disputa entre Receita e PGFN ocorreu ano passado no projeto de lei que retomou o voto de desempate a favor do governo nos julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Assim como agora, a medida foi retirada do projeto naquele momento devido à polêmica.
A proposta relatada por Ayres cria programas de conformidade tributária e aduaneira no âmbito da Receita e da Fazenda. São três: o Confia, o Sintonia e o OEA. O objetivo é incentivar os contribuintes a pagarem em dia os impostos por meio de selos de bom pagador.
“Esses selos oferecem benefícios significativos aos contribuintes que adotam práticas fiscais e aduaneiras adequadas, promovendo um ambiente de negócios mais transparente e confiável”, diz um trecho do projeto. “Em sua essência, visa aprimorar a conformidade tributária e aduaneira, bem como a eficiência na arrecadação de tributos, aspectos fundamentais para o equilíbrio das contas públicas e para o fortalecimento da economia nacional.”
Autor/Veículo: O Estado de São Paulo