Prestes a ser publicada, a regulamentação do programa Mover (Mobilidade Verde) traz pontos que contrariam montadoras e importadores de carros híbridos e elétricos. As questões estão relacionadas ao IPI Verde, a nova forma de cobrança do Imposto sobre Produtos Industrializados.
A Folha teve acesso à proposta que deve constar no programa. As informações mostram que os carros híbridos a gasolina terão de pagar imposto mais alto do que os modelos flex convencionais (sem nenhum tipo de eletrificação).
Já os modelos híbridos flex poderão pagar menos imposto que os carros 100% elétricos —medida que, em um primeiro momento, beneficia a Toyota. A marca japonesa é a única que possui essa opção: as versões Hybrid da linha Corolla, nas carrocerias sedã e Cross.
A publicação é aguardada para esta semana, e há montadoras segurando o anúncio de investimentos para logo após a divulgação, que será feita pelo Mdic (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços), pasta sob a responsabilidade do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB).
Uma delas é a própria Toyota, que planeja um aporte adicional ao anunciado em abril de 2023 (R$ 1,7 bilhão). Em nota, a montadora afirma que não comenta planos futuros.
O grupo Stellantis também aguarda as regras para divulgar um novo ciclo de investimentos no Brasil. Em agosto, a empresa confirmou que seus primeiros automóveis híbridos flex chegarão ao mercado neste ano.
As regras tributárias estabelecidas no programa Mover vão privilegiar os carros que podem rodar com etanol em qualquer configuração —mesmo que sejam menos eficientes que modelos a gasolina.
O projeto faz sentido por se tratar de um combustível de origem renovável, mas discrepâncias em relação a alguns modelos preocupam principalmente as montadoras chinesas.
BYD e GWM, que iniciarão a produção no Brasil entre o fim de 2024 e o início de 2025, ainda não oferecem modelos capazes de rodar com etanol, portanto se tornarão menos competitivas diante das empresas que já produzem no país. Além disso, as novas regras de tributação se somam à retomada gradativa do Imposto de Importação.
Outro ponto que está sendo questionado é a tributação com base na potência dos motores. Por exemplo: um carro com 200 cv de alta eficiência energética estará sujeito a uma alíquota mais alta do que a de um modelo da mesma categoria com 150 cv.
Ricardo Bastos, presidente da ABVE (Associação Brasileira do Veículo Elétrico), tem criticado as escolhas feitas pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao definir as regras do Mover. “Não é IPI Verde, não há nenhuma transformação. Está muito claro que o plano atende a interesses específicos.”
O executivo diz que, ao incluir dados de potência entre os fatores determinantes para a tributação, a indústria volta no tempo.
“A discussão não é mais potência, mas, sim, sobre eficiência e autonomia. É retornar ao início dos anos 1990, repetir o que ocorreu com o carro 1.0, que engessou a indústria”, diz Bastos.
Se a tabela apresentada às montadoras for mantida, carros híbridos plenos a gasolina —como o Honda Civic ou o Kia Niro— estarão sujeitos a uma alíquota que poderá variar de 10,5% a 17,5%, dependendo dos padrões de avaliação estabelecidos pelo IPI Verde.
Com as normas vigentes hoje, o tributo tem valor médio oscilando entre 7% e 10%, segundo a ABVE.
Já um carro flex convencional poderá ter uma tarifa a partir de 3%. Nesse caso, a alíquota máxima será de 6%.
Se o modelo for híbrido flex, como as versões disponíveis do Corolla, o IPI poderá ser zerado ou chegar até o teto de 1%. No caso dos modelos 100% elétricos, a tributação poderá chegar a 6%, com possibilidade de isenção para modelos que se enquadrem nas novas regras.
Picapes a diesel também serão beneficiadas: a alíquota prevista varia de 3,6% a 10,1%, sendo inferior ao praticado anteriormente, quando poderia atingir 19%.
Bastos acredita que alguns números devem mudar, principalmente os relacionados aos carros híbridos a gasolina. Segundo o presidente da ABVE, o Mdic viu que há uma distorção nessa parte das alíquotas.
A pasta não antecipa informações sobre os critérios que serão adotados, mas confirma os pontos que farão parte das avaliações: combustível, consumo, potência, segurança veicular e reciclabilidade.
Além das montadoras envolvidas, setores relacionados à mobilidade elétrica aguardam a regulamentação do programa Mover.
“A falta de clareza na tributação é o freio de mão para que os investimentos em estações de recarga ainda sejam tímidos e no modelo gratuito, sem a velocidade que o motorista de carro elétrico merece”, diz Danilo Guastaplagia, CEO da Go Electric —empresa do grupo Orbitec que oferece soluções para carregamento de veículos.
“A grande questão é qual imposto deve incidir sobre a comercialização das recargas para veículos elétricos, se o ISS [Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza] ou o ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços].”
Depois da publicação da reportagem, que gerou grande repercussão no setor, o Mdic mandou, neste domingo (18), nota negando que essas alíquotas estejam em discussão para a regulamentação do programa.
A pasta afirma que todos os setores afetados estão envolvidos nos estudos e que os parâmetros técnicos ainda estão sendo avaliados.
Conheça os tipos de carros eletrificados disponíveis no mercado
BEV (Battery Electric Vehicle) – São os carros movidos apenas por eletricidade. Possuem plugues para recarga rápida, que podem ser diferentes de acordo com o padrão utilizado pelo país de origem do modelo. O mais comum é o adequado às tomadas CCS, comumente utilizadas em carros de marcas europeias e americanas –exceto a Tesla, que tem um sistema próprio.
PHEV (Plug-in Hybrid Electric Vehicle) – a sigla se refere aos veículos híbridos que possuem um plugue externo para recarga, além da possibilidade do uso de gasolina —ou etanol, se for flex. É possível selecionar o modo elétrico e, a depender da capacidade das baterias, rodar por algo entre 30 km e 150 km sem queimar combustível.
HEV (Hybrid Electric Vehicle) – São os híbridos plenos, a exemplo de Toyota Corolla Hybrid Flex, Honda Civic e:HEV e Kia Niro. Cada um desses carros tem seu sistema próprio, cujo objetivo é gerenciar os motores elétricos e a combustão para escolher a forma mais eficiente de rodar.
MHEV (Mild Hybrid Electric Vehicle) – São os chamados híbridos leves. Nesse caso, a eletricidade ajuda a reduzir a queima de combustível nas partidas e fornece torque extra nas arrancadas, entre outros recursos.
Entenda o programa Mover
- Publicado em 30 de dezembro, o Mover (Mobilidade Verde) reúne as regras de eficiência energética para a indústria automotiva. É a continuação do programa Rota 2030.
- A meta é reduzir em 50% as emissões de carbono até 2030. Por consequência, os carros terão de ficar mais econômicos e menos poluentes
- Há também exigências ligadas ao aumento da segurança dos veículos novos.
- Um dos conceitos adotados nesta primeira fase é a medição do poço à roda. Essa regra favorece os carros movidos a etanol, que absorvem o CO2 no processo de cultivo da cana-de-açúcar.
- A partir de 2027, será adotado o critério “do berço ao túmulo”, verificando as pegadas de carbono dos componentes em todas as etapas de produção e no descarte do veículo.
- Empresas que aderirem ao programa terão acesso a R$ 19,3 bilhões em créditos financeiros distribuídos da seguinte forma: R$ 3,5 bilhões em 2024, R$ 3,8 bilhões em 2025, R$ 3,9 bilhões em 2026, R$ 4 bilhões em 2027 e R$ 4,1 bilhões em 2028.
Autor/Veículo: Folha de São Paulo (Eduardo Sodré)