Segundo o pesquisador Robson Barreiros, do Instituto Avançado de Tecnologia e Inovação (Iati), a mistura de hidrogênio ao diesel pode trazer uma eficiência de 9 a 15%, já no caso da gasolina, o número chega a 20%.
Além disso, na sua avaliação, a adição do energético ao gás natural e ao GLP traria mais competitividade ao mercado.
“Quando você coloca um hidrogênio que tem um poder calórico absurdo, você melhora muito a combustão do gás natural. Ele contribui para a melhoria da queima daquele combustível que ele está assistindo”, diz o pesquisador em entrevista à agência epbr.
Barreiros está à frente de seis projetos relacionados ao hidrogênio renovável, inseridos no âmbito do Programa de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PDI), regulado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Parte deles estuda a eficácia da queima do hidrogênio renovável associada a combustíveis fósseis, seja na geração termelétrica ou em motores de veículos a gás natural, diesel, gasolina e biodiesel.
E por que isso importa? Críticos ao hidrogênio apontam a grande perda de eficiência do energético na sua produção, armazenamento, transporte e reconversão em energia.
Estudos que comprovam o ganho econômico do hidrogênio na mistura com fósseis podem mudar esse entendimento.
Um dos destaque é a pesquisa realizada na termelétrica a diesel e óleo pesado de Suape II, em Pernambuco, em que houve uma redução de consumo entre 9% e 15% do diesel, com a mistura de uma fração de hidrogênio – não revelada pelo pesquisador.
Além da eficiência, a mistura também promove a redução de emissões de gases do efeito estufa. “Essa redução de consumo por si só representa uma queda substancial de gases do efeito estufa”, diz.
O Iati também desenvolveu pesquisas na Termelétrica no Porto do Pecém, Ceará, do Grupo EDP, que permite a aplicação do hidrogênio verde nos processos com caldeiras a vapor.
A companhia já revelou que também estuda a utilização do hidrogênio verde – produzido em seu projeto piloto no Pecém – para geração de eletricidade, em substituição ao carvão atualmente utilizado.
Veja a entrevista completa:
- O hidrogênio poderia trazer mais competitividade para o mercado de gás natural no Brasil?
Concordo, eu confirmo isso. Quando você coloca um hidrogênio que tem um poder calórico absurdo, você melhora muito a combustão do gás natural. Então, por si só, não é só a queima do hidrogênio. Ele contribui para a melhoria da queima daquele combustível que ele está assistindo.
- O que impede do hidrogênio já ser utilizado nessa mistura com o gás aqui no Brasil?
Eu acho que depende mais de decisão política do que técnica. Porque as empresas do setor de gás são praticamente uma sociedade, se assim posso dizer, entre a União e os Estados.
Então são decisões que estão fora da esfera técnica, porque dentro da esfera técnica isso já é superado, ou seja, já não é mais uma barreira.
Já tem estudos que provaram que até 13 % de hidrogênio na rede de gás natural é viável sem necessidade de mudanças na infraestrutura.
- Há muitos críticos em relação à viabilidade econômica do hidrogênio. Como o senhor avalia isso?
Na tecnologia existem duas situações. Aquela que o custo é o principal motivador do desenvolvimento. E a outra situação é que o custo é o que menos importa, porque tem que salvar gente, vida e de alguma forma, prevalecer a humanidade.
- Faz sentido utilizar hidrogênio para geração elétrica?
A geração de energia elétrica, a questão se resume a isso. Você pega hidrogênio e transforma em energia elétrica. Essa tecnologia é uma tecnologia consolidada. E o que está se correndo atrás no mundo é baixar o custo da produção desses dispositivos chamados células a hidrogênio ou células a combustível para tornar isso viável.
E eu acredito que isso é coisa ainda lá para 2035.
- Mas a mistura do hidrogênio ao fóssil para geração elétrica?
No Iati, percebemos que se fizéssemos a assistência à combustão de um combustível primitivo,poderíamos melhorar essa combustão do combustível primitivo, que tem certas deficiências em função da própria cinemática de um motor.
Desenvolvemos um conjunto de dispositivos para injetar um volume de hidrogênio apenas o suficiente para melhorar essa combustão, diferente de substituir o combustível primitivo por hidrogênio.
Obtivemos uma redução de consumo entre 9% e 15% do diesel, por exemplo, em Suape II. A termoelétrica de Suape é uma termoelétrica a diesel e óleo pesado. Essa redução de consumo por si só representa uma queda substancial de gases do efeito estufa.
Sem contar que parte dos gases da combustão também são modificados em função da velocidade de queima do hidrogênio. O hidrogênio tem uma velocidade altíssima e ele tem um poder calorífico altíssimo.
- Quais outras pesquisas estão sendo feitas em termelétricas no país?
Agora estamos fazendo essa mesma pesquisa para gás natural, para uma outra termelétrica em Manaus.
Temos também um projeto com uma termoelétrica do Rio de Janeiro, no Açu. Eles têm 1,3 GW de geração elétrica e consomem 55 milhões de metros cúbicos por dia para funcionar. Essa termelétrica já aceita entre 30% e 35% de hidrogênio na mistura com gás natural.
- Mas poderemos ver uma termelétrica 100% a hidrogênio?
Sendo conservadores, vamos considerar que pelo poder energético calorífico do hidrogênio ser maior do que o gás natural, são 27 milhões de metros cúbicos de hidrogênio para rodar a 100% em 24 horas, no caso do Açu. Você imagina o que são 27,5 milhões de metros cúbicos de hidrogênio?
É uma conta que hoje não fecha você botar uma termoelétrica para funcionar a esse volume. Mas, assim, é promissor.
O Brasil tem, a Petrobras tem anunciado que até 2030 vai trabalhar para que o quilo do hidrogênio seja similar ao quilo do gás natural.
E se isso acontecer, aí tudo muda de figura e o mundo todo fica verde. Se não for verde escuro, vai ser um verde claro. Mas vai chegar lá.
- Isso de alguma forma garantiria uma saída gradual dos fósseis?
Com um percentual dentro de um balanço econômico, é possível ter vantagens nessa configuração de assistência à combustão. Existe um mundo que consome petroderivados e que não tem uma varinha mágica que consiga virar essa chave e dizer que todo mundo vai usar hidrogênio.
Há todo um parque tecnológico de mobilidade, de indústrias e tudo mais que está aí implantado, que leva um tempo para migrar. Acho que o mercado de petroderivados vai tranquilamente até 2050 ou um pouco mais, mas ele nunca vai deixar de ser usado.
- Recentemente, entrou no PL das eólicas offshore a contratação obrigatória de eletricidade a partir de hidrogênio líquido de etanol, isso é viável?
É válido existir uma lei como essa, uma regra normativa, porque isso estimula a pesquisa. Mas a nível de custo, hoje, operacional, eu acho mais negócio o hidrogênio na mistura com gás natural.
Quando se tira o hidrogênio do etanol, do metanol, ou seja, de onde for o líquido, isso se transforma em gás. Naquela composição molecular primitiva do etanol, o hidrogênio estava atrelado a outras moléculas e é por esse motivo que ele é líquido, o etanol.
Mas quando você tira isso e bota num espaço com um gás, para você recombinar isso novamente, a quantidade equivalente de energia para isso retornar é igual a 30%.
O hidrogênio não é um combustível barato. Você ainda tem que liquefazê-lo, gastando tanta energia e é um processo que não é simples, você tem que refrigerar ele a baixíssimas temperaturas para que se consiga liquefazê-lo. Essa é uma estrutura cara, essa é uma estrutura que tem um custo elevado.
Mas quando a gente está falando em massificar o uso do hidrogênio, inclusive na mobilidade, ou numa termoelétrica, aí a coisa muda de figura.
- O mais viável é a mistura ao diesel e ao gás natural?
Existe uma realidade que precisa ser pensada e bem pensada. E essa realidade hoje é assistência à combustão. É você ter um combustível que já é de mercado e já é de um preço razoável, e você coloca hidrogênio ali, e com esse hidrogênio, você faz uma grande compensação de carbono.
Produtores de turbinas com a Siemens, da Westinghouse, estão pensando na capitalização de crédito de carbono. Ou seja, o país inteiro está esperando essa regulação, porque uma usina dessa, ela vai com certeza pegar esses 35%, vai botar lá, vai reduzir x toneladas de CO2 ou de gases de carbono equivalente, vai botar no mercado papéis que valem dinheiro, esses papéis que ela bota lá subsidiam o uso desse hidrogênio.
Então aí você começa a ter uma compensação financeira de um negócio paralelo chamado capitalização de crédito de carbono, que começa a bancar a transição energética. Esse, para mim, é o modelo perfeito.
- O hidrogênio também pode ser adicionado no diesel como combustível para caminhão, transporte?
Para caminhão, para carros a gasolina, etanol. Quando falamos em aumento de eficiência energética, estamos relacionado também à economia de combustível. Então a eficiência é entre 9 % e 15 % no diesel, mas na gasolina nós obtivemos um número maior, 20%.
- Há também uma pesquisa de mistura de hidrogênio ao GLP?
Construímos esse fogareiro aqui e a ideia é massificar o uso do hidrogênio, ou seja, isso aqui é uma tecnologia que a gente queima aqui hidrogênio puro, 6.0, com muita segurança, tanto que está aqui nas minhas costas.
E a ideia é aplicar essa tecnologia junto com GN ou GLP para a cozinha, para cozinhar. A água ferve em apenas 5 segundos.
No caso aqui é o hidrogênio puro, mas se for adicionado, estamos falando de um ganho de escala interessante.
Imagine um distribuidor de gás GLP, que vende um botijão de 13 kg. Ele vai colocar lá 8 kg de GLP e 1 kg de hidrogênio. Ele tirou 5 kg lá do GLP, substituiu por 1 kg de hidrogênio.
Vai vender pelo mesmo preço que ele vendia, ou seja, ele já tem uma economia de escala, e você vai comprar esse GLP pelo mesmo preço. Mas você vai consumir ele, vai gastar menos tempo para cozinhar a sua comida, por causa do poder calorífico adicionado que é elevado.
- Mas para isso eu preciso de um hidrogênio que esteja pelo menos no mesmo preço, custo do gás natural hoje?
Não necessariamente. Se você considerar que em escala, 1 kg de hidrogênio esteja custando 30 reais, e 1 kg do GLP está custando 10 reais aproximadamente, e eu estou dando um chute aqui 8, mas acredito que até menos do que 8 kg, você consegue ter um poder calorífico superior.
Então imagina que você está comprando um botijão de 130, que para o distribuidor custou 30% menos, ou 40% menos, e ele compensou de alguma forma com o hidrogênio, que não necessariamente precisa ser um hidrogênio verde, pode ser um hidrogênio com captura de carbono, o hidrogênio azul, que é um hidrogênio mais barato, e aí você passa a ter uma grande compensação.
Então é compensação dos dois lados. Compensação para quem vende o GLP, compensação para quem compra em função de ter um poder calorífico maior.
Autor/Veículo: EPBR