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‘Na gestão de resíduos, o País está no século 13’, diz especialista

Por formação, ele é químico, mestre em Ciência pela USP, com MBA em Sustentabilidade pela universidade alemã de Lüneburg. Na prática, pode-se dizer que Carlo Pereira é um construtor de pontes – o que mais fez nos últimos 20 anos foi atrair os empresários brasileiros para os grandes compromissos ambientais mundiais, a chamada “sustentabilidade corporativa”.

Como CEO do capítulo brasileiro do Pacto Global, criado pela ONU, Pereira lidera uma rede de 1.900 participantes da Agenda 2030 dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. O que significa aceitar metas e compromissos com temas como clima, direitos humanos, água, anticorrupção e saúde mental.

“Metade da população do Brasil não tem acesso a esgoto sanitário”, adverte ele nesta conversa com Cenários. E faz uma comparação chocante: “Se juntarmos a gestão de resíduos, o saneamento líquido, de água e esgoto, a gente está no século 13, se compararmos o Brasil com a Europa”. A seguir, os principais trechos da conversa.

Qual o objetivo do Pacto e como ele atua no Brasil?

Ele é um braço da ONU para o setor privado. Mas por que a ONU, que lida com chefes de Estado, com países? O que aconteceu foi que as empresas privadas, entrando em países em desenvolvimento, passaram a cometer violações ambientais, de direitos humanos, trabalhistas. E então organizações como a ONU e a OCDE começaram a pensar numa forma de engajar o setor privado. Daí surgiu o Pacto Global – “um pacto fundamentado em valores universais, para que as empresas possam se comprometer a adotar suas práticas”, como definiu, em 1999, o secretário-geral da ONU, Kofi Annan.

E quais são as metas?

As lideranças empresariais se comprometem a seguir os dez princípios do Pacto Global, divididos em temas como direitos humanos, trabalho, questões ambientais, anticorrupção… E cada empresa se compromete a divulgar anualmente um relatório com seu progresso nesses dez princípios.

E de que forma o Pacto Global fiscaliza isso?

Ele não fiscaliza, não é seu papel. O que faz é receber esses relatórios anuais. E, no que a gente entende, o Pacto já trouxe muita coisa. Hoje se ouve falar muito em ESG – pois todo o movimento ESG foi criado dentro do Pacto. Várias iniciativas anticorrupção surgiram ali, e levaram à criação de legislações nacionais. E a gente vai monitorar se as empresas estão avançando na meta de zerar a produção de carbono.

Vocês conferem isso pelos relatórios que recebem?

Exatamente, pelos relatórios. E a partir de agora, 2023, haverá uma plataforma na internet. Todo mundo poderá saber, em determinado tema, como a empresa está se comportando. O Brasil tem seu próprio sistema – no caso, são 98 redes. E as plataformas de ação foram montadas espelhando o Instituto Ethos, que já tinha uma rede de cerca de 300 empresas. Por exemplo, tudo que se faz no setor anticorrupção é com o Ethos – que passou dessas 300 para 2 mil instituições hoje. Governo e sociedade civil juntos, discutindo como fazer mudanças no setor privado.

Vocês têm uma lista dos grandes poluidores no mundo e no Brasil, emissores de gás estufa, por exemplo?

Se a gente fala em carbono, temos as empresas de petróleo e gás como as maiores emissoras do mundo. Atrás vem o setor de cimento, que também emite muito gás estufa. E o setor de alumínio, por conta da eletricidade, que para produzir gasta combustível fóssil. E a maior parte vem dos grandes países. O G20, por exemplo, contribui com 80% das emissões resultantes da produção de energia. No Brasil é diferente. Nossa matriz elétrica e energética é muito limpa. Do que a gente tem, 44% devese ao que chamamos de alteração do uso do solo – por exemplo, as queimadas na Amazônia. E tem a emissão de metano, que vem da ruminação entérica do gado, e também de aterros sanitários.

O desmatamento não para e o Brasil tem os maiores lixões do planeta, não é?

Isso é o que eu mais lamento, como cidadão. Veja, se a gente colocar no tempo, a gestão de resíduos, incluindo o saneamento básico, o saneamento líquido, água e esgoto, a gente está no século 13 se formos comparar com a Europa.

Pode detalhar o estrago que isso causa ao País?

Sim. Metade da nossa população não tem acesso ao esgotamento sanitário, e uns 35 milhões de pessoas não têm acesso a água de qualidade. Mais que a grande maioria dos países do mundo. É chocante.

Como se poderia mudar, chamar a atenção das pessoas para esse problema?

É aquela velha coisa: cano enterrado não dá voto. Mas a informação pode gerar mudança. A falta de saneamento é a principal causa do absenteísmo, na escola e no trabalho. A gente precisa debater essa questão o quanto antes.

Está na hora, então, de sermos mais proativos?

Sim. Veja a pandemia de covid. No começo ninguém imaginava aquilo tudo, mas estava planejado para acontecer. E o aprendizado a respeito inclui a gente se preparar para outras. •

Autor/Veículo: O Estado de S.Paulo