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‘Não consigo entender que o país passe pano no mercado ilegal de combustíveis’

Quando Leonardo Linden assumiu o comando da Ipiranga no fim de 2021, a pandemia de covid-19 ainda era uma realidade. Além desse desafio, o executivo também se deparou com uma empresa fora dos trilhos, com margens descoladas das principais concorrentes. Em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast, o executivo faz um balanço do últimos dois anos de reestruturação e mostra que tem planos ambiciosos.

Um deles é transformar a unidade de trading (importadora) de combustível em uma operação global. “É um negócio importante hoje na empresa, não só pelo que arrecada, mas pelas perspectivas que tem.” Segundo ele, a meta para os próximos cinco anos inclui a abertura de escritórios da unidade no exterior.

Veja, a seguir, os principais pontos da entrevista:

As ações da Ultrapar já se valorizaram 112% em 2023. Isso é puxado pela melhora nos resultados da Ipiranga depois da reestruturação. Como foi isso?
Foi um plano bem pragmático de retomada do crescimento da Ipiranga apoiado em quatro pilares básicos: preço competitivo; logística eficiente; nova modelagem de suprimento e trading, que mudou muito no Brasil; e o que eu chamo de “engajamento por encantamento”, uma alavancagem em cima da capacidade da marca, que é forte.

A mudança no suprimento aconteceu porque a Petrobras mudou a forma de atuar?
Sim. Eu vi duas grandes transformações nesse mercado. A primeira foi quando o preço foi desregulamentado em 1991, e a outra foi no fim de 2021, quando a Petrobras deixou de ser a grande importadora de combustível que supria todo o mercado a “preço Petrobras”. Eles tiram definitivamente o pé da importação e passam a trazer somente o necessário para cumprir seus contratos, transferindo a responsabilidade de importar para as distribuidoras. Então a criação de uma trading (importadora) acabou sendo absolutamente fundamental ao negócio.

Mas já existia uma trading própria, não?
Tínhamos uma trading menor, muito mais com visão de suprimento da nossa rede do que outra coisa. Era uma área de suprimento e quando tinha uma ou outra janela de oportunidade, a gente comprava um navio (de combustível). Isso mudou. Tanto que, se a janela de importação fecha com preço Petrobras acima do internacional, seguimos importando. A Petrobras segue sendo o principal fornecedor, para 85% do diesel e até mais na gasolina. Mas hoje somos um importador estrutural e isso implica em estrutura capaz de originar produto em todo o mundo, onde faz mais sentido.

A trading se transformou em uma unidade de negócio lucrativa?
Sim, mais ou menos 30% do que a gente importa não é volume Ipiranga e a gente acaba distribuindo. Porque hoje o Brasil precisa de diesel, para mercado spot, de TRR, que não tem contrato, bandeira branca etc. Quando a arbitragem fecha muito, quem está no processo especulativo some e o importador estrutural, como a Petrobras e hoje a Ipiranga e outros mais, mantêm esse fluxo.

Qual é o espaço para a trading crescer?
É um negócio importante hoje na empresa, não só pelo que arrecada, mas pelas perspectivas que tem. Pode ser um negócio em que a gente expanda as fronteiras, com movimentação de produto fora do Brasil. Podemos usar a capacidade de originação, porque o short da Ipiranga é relevante e dá muito acesso ao mercado de combustíveis. Podemos ser uma trading com capacidade de fazer negócio fora do Brasil sem nem trazer a molécula para dentro do País. A gente pode ter uma participação maior no mercado spot brasileiro, que é uma coisa que a gente não tem hoje. É o que planejamos para os próximos cinco anos nessa frente.

Como está essa operação internacional?
Estamos abrindo escritórios fora do País também para poder ter uma operação mais fluida. Ainda não está fechado o número (de escritórios), mas eles são importantes para dar sustentação à estratégia.

Você mencionou preço competitivo. O que foi feito?
Estruturamos uma nova área de pricing. Trouxemos pessoas e ferramentas, revisitamos todos os processos, para chegar a uma política de preços consistente e transparente. Nos tornamos mais constantes, alinhados com as movimentações do mercado doméstico e internacional. Isso estabilizou muito a relação com o revendedor, que não entendia a precificação. A própria constituição da trading ajudou nisso, porque trouxe uma inteligência que a empresa não tinha. Antes éramos muito erráticos, as decisões de preço eram muito fragmentadas. Hoje existem até os dias da semana em que a gente faz mudança de preço e o revendedor se prepara, porque sabe que existe uma propensão e se organiza.

Como vê a mudança na política de preços da Petrobras, agora sem PPI?
A Ipiranga se ajusta, não vou entrar no mérito das decisões da Petrobras. Eles são o nosso maior fornecedor e o preço deles é um componente de custo do produto, assim como o custo da importação, que é 15% do diesel e 5% da gasolina, do etanol, do biodiesel ou dos Cbios (créditos de descarbonização).

Há muitos componentes de custo por trás da bomba
Mas isso não é claro para a sociedade. Há muitos componentes com volatilidade diária e estamos (sociedade) há anos fixados no preço da Petrobras. O etanol é 27,5% da gasolina, o biodiesel é 12% do diesel, os Cbios são 10 centavos por litro na bomba. E aí cometemos muito o erro de questionar por que o preço sobe na bomba se o preço Petrobras não subiu. Subiu porque outros componentes do preço subiram.

Além da trading, o que mais está no radar da Ipiranga para o futuro?
O processo de turnaround (reestruturação) da Ipiranga está completo, foi feito. Mas a gente ainda tem muitas oportunidades em cima dos quatro pilares. Em vez de falar de pricing, a gente fala de competitividade e disciplina de capital. Seguimos com foco no pilar de “supply & trading” porque começam a surgir outras frentes de negócio. A gente começa a ver oportunidades que se originam a partir de uma trading bem estruturada. São oportunidades de negócios que estão no nosso radar, mapeadas, para os próximos cinco anos. E o pilar de engajamento é eterno porque a marca é forte.

Há planos de aumentar a presença em regiões como Norte e Nordeste?
A Ipiranga é tradicionalmente muito forte nas regiões Sul e Sudeste. A região Norte tem um crescimento muito acelerado. Obviamente a gente está investindo em infraestrutura, e quando a gente olha esses investimentos, em geral, eles estão lá para a região Norte e Centro-Oeste. Porque pega o agro e os índices de crescimento da economia são maiores, além de ter deficiência de infraestrutura.

E o corte na rede de postos para enxugar custos?
Limpamos perto de mil postos e ficamos com cerca de 6 mil postos (bandeira Ipiranga). Terminamos esse processo corretivo no terceiro trimestre. Há uma cultura no setor de medir crescimento por número de postos. É um elemento, mas esquecemos de olhar produtividade da rede e qualidade dos investimentos. Prefiro mil vezes ter menos postos com volume muito mais alto do que muito posto com volume baixo. Nossos investimentos hoje têm outra diretriz. A gente levantou a barra da qualificação do investimento para fazer menos negócios, mas com volume projetado médio maior. Os postos que a gente tirou da rede, em média, vendiam 30 mil, 40 mil litros. Hoje a gente está fazendo negócios de 320 mil litros na média.

Qual o impacto disso em participação de mercado? A Ipiranga hoje é a terceira maior, com algo perto de 20% do mercado.
Nós tínhamos uma venda para (posto) bandeira branca e para mercado spot, não contratado, muito grande, e nos últimos dois anos a gente saiu de uma parte disso porque não era saudável para o negócio por ser ineficiente e, às vezes, não é possível competir com certas práticas de mercado. Eu não vou competir com evasão fiscal, problema de qualidade (…) Mas, na rede bandeirada, no que é volume Ipiranga de posto, a gente ganhou market share. E a nossa venda média por posto sai da pior para a melhor do mercado. Um posto muito pequeno gera muita ineficiência na logística, porque tem de levar uma quantidade pequena (de combustível) lá e o caminhão toma o mesmo tempo que outro grande.

Qual o plano futuro para a rede de postos?
Continua a busca para trazer negócios mais eficientes, mas entendendo que no horizonte tem uma transição energética. A Ipiranga hoje não é só distribuição de combustível. Está presente na vida do brasileiro. A Ipiranga tem a maior rede de padarias do Brasil. A Ipiranga tem 1,6 mil lojas de conveniência e 1,1 mil Jet Oil, a maior franquia de serviços automotivos do País. Tem outras coisas agregadas aquele ponto de varejo. Então a gente vai continuar tendo 6 mil bons pontos de varejo. Quero explorar aquilo como bons pontos de varejo, porque as pessoas vão continuar tendo as suas necessidades de mobilidade e a gente vai ter a capacidade de atendê-las com torre de recarga elétrica, com o espaço da gasolina, do diesel, da conveniência adaptada.

A Vibra recebeu uma oferta para sociedade de iguais da Eneva e recusou. Esse tipo de movimento vai se tornar mais comum?
O setor está buscando seu posicionamento num ambiente plural de matriz energética e pode ser que oportunidades aconteçam. Se você olhar o Grupo Ultra, nós temos uma atividade de gás importante, a Ultragaz está inserida no negócio de geração e distribuição de energia elétrica. Isso faz parte. Essas e outras podem ser soluções.

Qual é o maior desafio do setor?
Um desafio eterno no país é combater o mercado irregular. Estima-se que o Brasil hoje perde cerca de R$ 30 bilhões por ano com comércio irregular de combustível, quase metade com evasão fiscal e outros R$ 15 bilhões com problema de adulteração. Não consigo entender que a gente como país passe pano na ilegalidade do setor. Tem movimentos positivos. Acho que a reforma tributária é positiva. A monofasia e a simplificação tributária são positivas porque o nosso produto é muito tributado, o que dá muita oportunidade à evasão. Mas ainda tem muita janela de ilegalidade para fechar. É preciso ser mais incisivo na atuação contra comércio irregular, adulteração. Existe um problema sério de mistura de metanol no País.

Autor/Veículo: O Estado de S.Paulo